a história de uns sabugueiros

Foi no dia 16 de Fevereiro, Terça-feira, que descemos a Serra da Estrela e parámos à beira da estrada, numa vila serrana. Apreciávamos toda aquela água que corria por entre as pedras até às pequenas lagoas, quando um casal se cruzou connosco.
Cumprimentámos-nos, eu perguntei se costumavam caminhar todos os dias por ali, e a senhora, que com os seus 75 anos revelava dificuldades no se caminhar, respondeu que sim, em dias de sol – as dores nas pernas são um peso que grande parte das mulheres carrega nestas idades: o peso dos dias passados à chuva, ao frio e ao calor desde tenra idade, o peso do trabalho, o peso dos quilómetros percorridos a pé, o peso das horas passadas em pé… – hoje têm de ser tratadas com carinho, caminham devagarinho, pensava eu enquanto olhava para ela. Ao seu lado ia o senhor, seu marido, a quem a vida trouxera a doença de Parkinson.
Naquele dia nós, os forasteiros, alterámos a sua rotina matinal. O senhor, muito orgulhoso da sua terra, apontou-nos com o dedo indicador o ponto mais alto da serra, o qual não se avistava dali, e contou-nos: “Subi a serra até à Torre dezenas de vezes! A paisagem é linda”. No cume da Penha do Gato (esse sim, via-se dali), havia-se despenhado um avião em Fevereiro de 1944. O avião vinha de Gibraltar, os seus tripulantes iam passar o Carnaval à sua terra natal, em Inglaterra. Foram todos sepultados no cemitério daquela localidade.
Eu, que procurava um sabugueiro,perguntei ao senhor se havia sabugueiros por ali. Ele respondeu-me com um sorriso, questionando-me: “Se há sabugueiros? Você conhece o sabugueiro?” A sua expressão dizia-me mais, dizia-me que estava surpreendido por lhe termos feito aquela pergunta. Eu respondi que não, não conhecia, mas queria tanto ter um!…
“Ora se há!” – Exclamou!!
E foi a partir daquele momento que sentimos aquela manhã como uma dádiva, sem nunca a termos expressado directamente por palavras.
Surgiram as conversas, estrada acima, estrada abaixo, estrada acima, e estrada abaixo, sempre à procura dos sabugueiros. Havia muitos! Alguns fora do nosso alcance e, outros, em parcelas privadas. O meu amigo que adora ameixas Rainha Cláudia descobriu ali umas mães desses frutos com a ajuda do senhor. Estavam abandonadas. Trouxemos uns jovens ramos, eu, esperançada que algum deles se apaixone pelo nosso abrunheiro.
A certa altura o senhor, cujo olhar vivaço não desistia de procurar o tal arbusto, descobriu um fácil de alcançar, um que a idade ia abandonando com o passar do tempo, pois muitos dos seus braços já tinham secado. Não é que o senhor “ganhou asas”? Desceu a vereda em passo acelerado e eu, assustada, com receio que ele caísse, fui atrás dele pensando que o ia ajudar. Qual quê!! Enquanto ele tratava daquela operação, eu pedia encarecidamente aos meus pés que não escorregassem em toda aquela folhagem que repousava desde o Outono naquele terreno em declive . De repente ouço a sua voz: “Senhora, não se preocupe, vá à frente que eu já tenho aqui um ramo bom”. Eu obedeci-lhe. Lá em cima a sua senhora advertia: “Isso não pega assim, homem! Tem de ser com raiz!” Mesmo assim trouxemos os ramos viçosos, vários, vamos plantá-los num pedaço de terra rica, juntinhos, para que se incentivem uns aos outros a sobreviverem.
Para além de toda a beleza natural com a qual convivemos naquele fim de semana que passou, trouxemos esta connosco, uma beleza que a natureza humana espontaneamente nos ofereceu.
Este casal viveu em Moscavide, “ao meu lado”, pois cresci em Sacavém. O senhor trabalhou na fábrica de munições que se localizava entre estas duas vilas, uma fábrica de onde soavam tiros experimentais todos os cinco dias da semana. Hoje, ele, sempre que pode, passeia com a sua senhora ao longo da estrada de alcatrão ladeada de sabugueiros, ameixoeiras, pinheiros, salgueiros, estes, mais perto da ribeira.
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Toda esta história se passou na vila de Loriga.
Passaram 2 meses e, afinal, todos os ramos que trouxemos da Serra, pegaram por estaca 🙂
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Uma inspiração

Neste fim de semana que passou fiz uma viagem até uma Quinta e lá aprendi um pouco do que a Mãe Natureza não desiste de nos ensinar. Aprendi o que é um um Jardim Floresta, quais os elementos que fazem parte dele.

Aprendi o que é Permacultura passeando pela floresta, parando, observando e ouvindo a Laura e a Annelieke tinham para nos ensinar. Acordei às 7 horas da manhã e comecei o dia com 45 minutos de meditação numa sala linda com seus olhos abertos para a floresta deitei-me às 9 horas da noite, pus as mãos na terra, fui arranhada pelas silvas, tomei banho numa cascata, comi só comida vegetal, o sol era intenso e convivi com pessoas que sentem fazer parte da natureza.

Apresento-vos a casa de banho onde a água do duche é aquecida por uma caldeira alimentada a lenha ( tinha que se acender o lume duas horas antes do primeiro banho). Podem ver a chaminé a fumegar 🙂
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Dormimos aqui nesta maravilhosa Tenda Yurt
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A Lua espreitava por um daqueles triangulos. Foi a sua luz que me acordou durante a noite
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Com inspiração, tudo é possível!

passar o tempo

As aldeias que eu costumo visitar têm todas um ponto de convívio ao ar livre chamado adro e bancos de madeira ou de ferro distribuídos pelo espaço para a gente se sentar.

No adro comunicaram-se, em tempos, assuntos importantes, porque este era um ponto de encontro espontâneo. Aqui eram anunciadas as boas e as más notícias, um evento importante era ali que acontecia, era ali que os trabalhadores se reuniam para a jornada do dia solar. Era dali que se abalava para qualquer destino, era ali que as crianças se juntavam e brincavam. O adro era o coração de uma aldeia, bombeado talvez também pelos sopros espirituais expirados através das janelas da igreja, a sua matriz. Hoje este coração está vazio, à espera de algo que o preencha.

Quanto aos bancos, os velhinhos sempre os souberam utilizar muito bem até aos dias de hoje. Quando os vejo sentados nesses bancos em dias de sol sozinhos ou acompanhados pelos seus compadres, penso sempre: como eles sabem apreciar a vida ao ar livre!…

A aldeia de Santa Eulália, perto de Elvas! Lembro-me que esta terra tem bancos distribuídos pelo passeio que acompanha a estrada que atravessa a aldeia. Nos fins de tarde de verão, os bancos ficam todos ocupados e os velhos que os ocupam ficam apreciando quem passa de carro. Depois dão palpites sobre a identidade dos passageiros. É um passatempo!

As histórias ouvidas por bancos como aqueles distribuídos pelas aldeias do país inteiro, são histórias de apreciação das vidas de outrora e a sua comparação com as vidas de agora. São histórias que lamentam os valores que se perderam, que lamentam o desapego pela terra, que lamentam as tradições esquecidas, a simplicidade das habitações, lamentam a transformação das relações familiares e de vizinhança. Lembram, com saudade, os ofícios que aprenderam com os seus mestres, as contas de somar e de subtrair que faziam de cabeça…

Estes velhos são uma fonte rica de inspiração para nós, são eles a ponte entre o passado e o futuro. Através deles a riqueza do passado poderá renascer e eu já sei de muita gente nova que não vai perder a oportunidade de estar sentada ao lado desta gente velha num banco de jardim.

Para os velhos que contam as histórias em bancos do jardim, apresento-vos os velhos deste lado da ponte 🙂

“O Sol vai chegar à cidade (…)ao alto os corações”